sábado, 9 de outubro de 2010

The Runaways

Biografia da banda The Runaways retrata um momento importante o rock, mas escolhe protagonista errada e perde força que poderia tê-lo transformado num hit instantâneo!
Cherie Currie estava sentava ao meu lado quando o monitor foi ligado e Dakota Fanning apareceu. Vestida com roupa de balada e maquiagem brilhante, Dakota incorporava um estilo de vida encerrado há muito tempo, mas não esquecido. O Rock’n Roll fazia sua mágica e, especialmente entre as mulheres, mostrava que agressividade podia ser canalizada de forma construtiva, mas nada aconteceria com facilidade, afinal, o mundo das guitarras e bateras alucinadas era dos homens. Tudo mudou quando uma banda californiana chamada The Runaways estarreceu os roqueiros. Era um marco, mas, ao mesmo tempo, nascia uma lenda: Joan Jett. Mas e Cherie Currie? Bem, ela ficou relegada aos livros de história e à curta carreira da banda retratada em The Runaways – As Garotas do Rock, que estréia hoje no Brasil, muito tempo depois que a exibição nos Estados Unidos. A disputa por atenção entre Jett e Jones se vê no filme, reflete na vida real e até mesmo no set de filmagens, no centro de Los Angeles – as duas pouco se falam e não ficam juntas por mais tempo que o necessário – e decretou um dos maiores erros do longa-metragem: o roteiro escolheu a Runaway errada. Focou em Cherie e preteriu a real estrela. É de Joan que todos se lembram. Foi Joan que revolucionou o rock com seus Blackhearts. Foi Joan quem não sucumbiu às drogas. E é Joan quem observa tudo à distância, sentada com sua cópia do roteiro, ouvindo seu iPod. Uma presença opressiva que ainda assombra a vida de Cherie Currie.
Há cerca de um ano, fui convidado para participar das filmagens de The Runaways, que aconteciam numa antiga boate no centrão de Los Angeles. Era um dos locais mais emblemáticos da história da banda, pois ali aconteceu o encontro entre Fowler, Joan Jett e Cherie Currie, ou seja, a gênese do grupo formado apenas por garotas. Kim Fowler chama a atenção, com seu visual glam rock e atitude de manager e produtor extremo, e, claro, atuação inspirada e irrepreensível de Michael Shannon (atualmente no elenco de BoardWalk Empire), um profissional aparentemente incapaz de errar, com seu jeito seco, de humor peculiar e voz de comando. “O rock’n roll podia mudar o mundo naquela época e mudou”, comenta o ator, em entrevista ao SOS Hollywood. “Acredito que a música devia reencontrar aquele espírito e voltar a acreditar no seu potencial modificador, no que podemos fazer com uma canção”. Ninguém se engana ao ignorar o aspecto comercial que, mesmo na época de The Runaways, já motivava a indústria fonográfica, mas é fato que o idealismo era mais efetivo naquele período. “Precisamos concordar que se não houvesse qualidade elas não teriam vingado, certo? E tem o efeito do estilo de comunicação naquele tempo; uma banda começava em Los Angeles ou em Nova Iorque, aí ela ia caminhando em direção ao outro lado do país, de forma gradual, dando tempo para que músicos e fãs ganhassem maturidade. Hoje é em dia é instantâneo, logo, boas idéias acabam morrendo rápido demais”.
Radicais e inovadoras para sua Era, as cinco integrantes de The Runaways – Joan Jett, Cherie Currie, Lita Ford, Jaquie Fox e Sandy West – provaram que a mulherada sabia fazer rock, coisa que o filme retrata com exatidão, seja com Joan peitando seu professor de violão, que insistia em lhe ensinar a tocar músicas “para mulher” ou pelos surtos raivosos de Cherie, contratada pela aparência e que precisou aprender a cantar no calor da batalha. A diretora italiana Floria Sigismundi tem bom ritmo, experiente com comerciais, e, por razões óbvias, bastante ligada às necessidades e reações femininas que norteavam as integrantes; garotas ansiando pela vida adulta, experimentando sensações físicas, sexuais e psicológicas.
A música das The Runaways atravessou fronteiras, especialmente quando chegou ao Japão e as transformou em estrelas instantâneas, mas a maior barreira que encontrou foi o inevitável conflito de egos, carência por atenção e inveja. É o lado negro do rock, especialmente depois de muito sexo, drogas e música – considerados parte do pacote, especialmente naquela época -, uma situação já caótica e sem volta para músicos experientes, e intransponível para um grupo que foi além do esperado.
Inspirado na biografia de Cherie Currie, The Runaways não exime a vocalista de culpa. Ela afundou o navio, mas havia salvação. Musicalmente falando. Enquanto Cherie se afundava numa egotrip absurda, mesmo depois de deixar a banda e se achar a dona do mundo, era Joan Jett quem decolava. Em sua “armadura de batalha”, como Kristen Stewart definiu a vestimenta da roqueira, ela usou a plataforma criada pela banda para dar o verdadeiro salto em termos musicais ao emplacar clássicos eternos como I Love Rock’n Roll e Bad Reputation, com sua própria banda: Joan Jett and the Blackhearts.
Essa é a história que todo mundo conhece, por seu sucesso e valor histórico. Essa é a banda que embalou gerações. Joan Jett é a Runaway que merecia um filme. Kristen Stewart faz seu trabalho de forma sólida e bem construída, devolvendo a sensação de ter uma carreira produtiva pela frente, mesmo depois de tanto tempo irritando com Crepúsculo. Dakota encara seu primeiro papel como mulher. Nada mais da garotinha gritona que aprendemos a odiar e convence, mas numa história autodestrutiva. Afinal, Cherie/Dakota é a Runaway que fugiu, que se afundou, que foi esquecida. E sem uma grande reviravolta para mostrar seu talento.
Hoje, décadas depois, fica mais claro do que nunca: Joan Jett enfrentou o mundo e ganhou a briga. E salva o filme, que passou perto de ser totalmente desnecessário.
I Love Rock’n Roll!
por Fábio M. Barreto